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As Fases do Luto e o Luto Patológico

  • Foto do escritor: matheuschequim
    matheuschequim
  • 27 de set. de 2021
  • 6 min de leitura

Atualizado: 28 de abr. de 2022

O luto é algo que acompanha a humanidade desde seu inicio, mas conhecemos mesmo esse processo? Ele é normal ou Patológico?


Introdução


A vivência de um acontecimento traumático muda a vida de uma pessoa, muda a sua identidade, os seus afetos e suas reações fisiológicas: a pessoa não enxerga mais segurança, previsibilidade ou confiança. Isso ocorre pois a pessoa percebe que as estratégias que tinha de proteção em prática se mostraram ineficazes, e o resultado disso é uma aprendizagem permanente que a pessoa não consegue esquecer.


Entre alguns fatores que se enquadram na perspectiva de um evento traumático está o luto e, embora ele seja um trauma, existem grandes pontos característicos que o compõem e que não se enquadram a outros traumas. O processo do luto não necessariamente se refere a casos de perdas de pessoas por morte, se enquadra também para perda de animais de estimação, espaços (casa, relações com vizinhos, amigos), uma relação (como o amor conjugal), o contato com os filhos, e assim por diante. Mais que isso, o luto não se dá apenas a perda da pessoa (ou situação), pode-se dar também pela função que a pessoa desempenhava na vida do outro que foi perdido, assim como seu papel naquele contexto, que mais que um sentimento de proximidade pode ter sido uma parte da identidade da pessoa que foi perdida.

Funcionamento do luto


A mente opera em duas vias, uma parte busca aceitar a realidade e se baseia nela, a outra regride às ilusões infantis, assim, no luto a pessoa pode aceitar o ocorrido ou sustentar uma crença de que aquilo não ocorreu, evitando assim o impacto da realidade. Durante esse processo não é aconselhável tentar forçar a pessoa enlutada a confrontar a realidade, isso pode comprometer uma transição natural que é necessária; ao invés disso pode-se sugerir vivências que ajudem no equilíbrio desse processo de ilusão e restauração.


Logo o processo do luto é uma adaptação gradual à perda, indo e voltando entre esses dois papéis (estado adulto, governado pela realidade, estando criança, governado pela ilusão). Uma parte do sujeito enfrenta o ocorrido e se identifica com a maturidade e o realismo, aceitando a perda, e a outra opera quase como sendo uma criança, pensando que se desejar o suficiente algo pode ser mudado, ou protestando quando alguém fala sobre e até mesmo fingindo que nada ocorreu.


Um exemplo que ilustra esse estado infantil de enfrentamento é o costume que algumas pessoas têm de se apegar a “por quês” no processo de luto, “por quê comigo”, “por quê agora” etc., acreditando assim que se houver um motivo há a possibilidade de reverter o ocorrido.


Luto em crianças


Enquanto as crianças não podem reconhecer seus objetos de amor como separados dela, na perda ou separação deles (como os pais ou parentes próximos) ela sente que perdeu uma parte de si, mas não consegue enlutar-se pelo objeto perdido.


Torres (1999) (Franco & Mazorra, 2007 apud Torres, 1999) tendo base em Piaget aponta que só é possível para a criança compreender a irreversibilidade da morte quando atinge a fase do pensamento Operatório Concreto, por volta dos 7 anos de idade, e essa dificuldade de compreensão pode dificultar esse processo de elaboração da perda.


Por conta dessa dificuldade maior para processar a perda, o luto vivido pela criança é processado ao longo da sua estruturação psíquica em distintos momentos da vida, à medida que consegue apreender mais sobre o que viveu. O luto pode aparecer também por conflitos futuros, isso não é patológico ou um luto adiado, mas sim a elaboração, já que nenhum luto pode ser plenamente vivido até que a criança cresça.


Assim, a criança elabora o luto, mas de uma forma diferente: não devemos enquadrá-la como uma versão imperfeita do luto adulto, mas sim um processo com características próprias.


O principal sentimento mobilizado na criança pelo luto parece ser o desamparo, isso aponta que a morte de um dos pais ou de ambos gera na criança um sentimento profundo de ameaça à sua sobrevivência tanto física como emocional. Isso piora, pois a criança não perde somente a pessoa, mas também a situação anterior de organização da família, sendo essa desestruturação outro estressor e, além disso, a reação do genitor sobrevivente à perda também acarreta sofrimento para a criança, com ela sofrendo uma perda dupla, da pessoa que morreu e da pessoa que o genitor sobrevivente era antes dessa perda vivida.


Por conta da idealização dos genitores, no processo de luto a criança costumeiramente se sente abandonada pela pessoa que morreu, pois é difícil para ela compreender que os pais sofreram algo independente da vontade deles. Essa vivência como abandono pode piorar quando a causa da morte vincula-se a uma atitude irresponsável ou de busca consciente ou inconsciente da morte.


Fatores dificultadores e facilitadores do luto infantil


Fatores dificultadores - Família: não fornecer informações corretas sobre a morte da pessoa; atitude de negação do sofrimento por parte da família; não partilhar o luto com a criança; exigir da criança consciente e/ou inconsistentemente que ocupe o lugar da pessoa perdida; não conseguir conter os sentimentos de abandono e desamparo da criança; relação de extrema ambivalência com a pessoa perdida; distanciamento afetivo do genitor sobrevivente.


Criança: intensidade da relação com o genitor perdido; relação de ambivalência, confusão com o genitor; estar em um momento de desenvolvimento cognitivo pré-operatório (problema em entender a irreversibilidade da morte).


Circunstâncias da morte: morte repentina; violência; testemunho por parte da criança da morte; guardar segredo da morte da criança; a morte ser tratada como tabu pela família; desejo consciente/inconsciente de morte por parte da pessoa perdida.


Fatores facilitadores: possibilidade de a criança expressar os sentimentos relacionados ao processo de luto na família e/ou em situação psicoterápica e funcionamento egóico da criança e da família apropriado.


Etapas de luto e o luto patológico


A vivência de um luto normal é um estado de profundo sofrimento devido a perda de algo querido à pessoa, que com o tempo vai se aliviando. O luto patológico por sua vez é uma reação à perda que não é aceita.

O luto possui 9 fases, de acordo com Bouza e Barrio (2021) :

  1. Choque e entorpecimento: reação de confusão, sentimento de vazio e muitas explosões de emoções. Dura algumas horas há uma semana.

  2. Negação e isolamento: a pessoa não aceita o que aconteceu como verdadeiro, se isola do ambiente externo.

  3. Raiva: explosões de raiva e acusações a pessoas próximas. Tende a começar duas ou três semanas após a perda, o indivíduo tenta achar razões para se queixar e ficar irritado, tais como “por que isso foi acontecer comigo”; pode se transformar em auto-acusações.

  4. Negociação: a perda começa a ser levada em conta, mas o sujeito tenta minimizar ou compensar esse fato com barganhas, adiamentos ou promessas, como, “leve-me junto”, “Se ele(a) voltar eu prometo...”.

  5. Depressão, desorganização e desesperança: é a fase com sofrimento mais intenso, a pessoa começa a entender a irreversibilidade da perda, o indivíduo começa um choro descontrolado, podem surgir lembranças persistentes e sentimento de maior proximidade a pessoa perdida, alguns casos podem evoluir para alucinações. Este período pode levar de um mês após a perda ou até diversos meses depois.

  6. Aceitação: consciência da perda, mas com maior serenidade.

  7. Separação e resolução: diz-se adeus à pessoa que foi perdida, rompe-se vínculos com o falecido. A pessoa pode ter esperança de recuperar a pessoa, mas constata que isso é impossível.

  8. Recuperação: volta a funcionalidade “normal”.

  9. Reconexão: volta ao meio e estabelecimento de novos vínculos.


A elaboração normal do luto implica passar por todas as fases, o que em média pode durar um ano. Para que o processo não tenha problemas, todas as fases são de extrema importância.


Entre os sintomas do luto patológico estão: ficar preso em algumas dessas fases (de forma geral na de negação), formas alteradas de comportamento (podendo ser prejudicial à pessoa, como práticas de risco), e a falta de perspectiva de um adeus a pessoa perdida, que pode resultar em temas suspensos.

O tratamento do luto patológico tem quatro objetivos:

  1. Prevenir a repressão: relembrar o paciente e ajudá-lo a reviver os acontecimentos.

  2. Apoio emocional: compensar o desamparo resultante da perda da pessoa querida.

  3. Assistência social: auxiliar o paciente a enfrentar fatos da vida e também ajudá-lo no desenvolvimento de habilidades para resolver seus problemas emergentes.

  4. Reconstrução: auxiliá-lo a estabelecer novos vínculos, sinalizando um recomeço.

Conclusão


Com isso conseguimos entender que o luto, embora seja uma forma de trauma, tem uma especificidade própria que é importante ser conhecida. Além disso, é extremamente importante entendermos que o luto é um processo natural, só devemos nos preocupar com uma pessoa quando ela começa a apresentar pontos que indiquem luto patológico enquanto enfrenta uma perda.


Texto por Matheus Chequim


Referências

Franco, M. H. P., & Mazorra, L. (2007). Criança e luto: vivências fantasmáticas diante da morte do genitor. Estudos de Psicologia (Campinas), 24, 503-511. https://doi.org/10.1590/S0103-166X2007000400009


Kellermann, P. F., & Hudgins, M. K. (2021). Psicodrama do trauma: o sofrimento em cena. Editora Ágora.


Bouza, M. F., & Barrio, J. A. E. (2021). Psicodrama Breve e Luto. In Editora Ágora, Psicodrama do trauma: o sofrimento em cena. (pp. 60-69).

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